Entrei no duche, gosto de duches longos em dias de boas energias, nos outros prefiro banhos demorados. Deixei a imaginação correr ao sabor da água durante longos minutos... saí, sequei-me demoradamente entre mimos e carícias, a toalha está macia!
A roupa já estava escolhida: as meias que gostas, os jeans mais velhinhos, são confortáveis, nem os sinto, e a camisola preta a assentar como uma luva por cima da pele nua, sei que gostas de me ver de preto! Calcei as botas a pensar porque terias escolhido a estação de metro, ainda por cima do outro lado da cidade, sabes que gosto de andar de comboio, talvez tenha sido por isso!
Penteei o cabelo e saí com ele ainda molhado, não pus perfume, sei que gostas do meu cheiro doce e selvagem!
Entrei no metro e saí do metro, como se a viagem não tivesse acontecido!
Estavas encostado ao pilar, a fumar demoradadmente, ainda mais demoradamente, mais um cigarro! Fingi que não vi, dei-te tempo. Sei que gostas de me observar, sabes que gosto de ser observada, só não gosto de o admitir! Quis saber quanto tempo resistirias a vir ao meu encontro!
Dez minutos, dez minutos a sentir o flash dos teus olhos em fotografias sequenciais, folheei o teu album imaginário, senti-te o cheiro e tinha as mão irrequietas de ti, a procurar-te a pele nas pontas do cabelo, no bolso das calças, na carteira - dez minutos é muito tempo!
Não resisti á tua capacidade de resistência, estava pronta a virar-me e a oferecer-te mais um daqueles sorrisos que não precisam de embrulho para que o recebas como um presente! E então foi perfeito - ele tinha um casaco igual ao teu, era ligeiramente mais baixo, o cheiro dele era completamente diferente e o tom do cabelo ligeiramente mais claro, mas era perfeito!
Aproximei-me dele a passos largos, na encenação perfeita da urgência do encontro, sabia que à distância que estavas me podias ouvir, então perguntei-te a olhar para ele:
- Amanhã, já é hoje? - e a tua respiração parou, e o teu corpo moveu-se, e eu senti ainda melhor o teu cheiro - Desculpe, confundi-o com ele! - e quase me denunciei olhando na tua direcção para explicar aos olhos desconhecidos quem era "ele", mas parei a tempo - Desculpe, com outra pessoa!
E senti-te os passos nas minhas costas, enquanto palavras que não ouvi saiam da boca do estranho, senti o teu calor na minha pele antes de me tocares e arrepiei-me, sei que o sentiste! Sabias que eu sabia que estavas lá...
- Esta menina está a incomodá-lo? - disseste, atrás de mim, e a tua mão tocou-me a pele, como que atravessando a camisola.
- Gosto do seu casaco! - e o estranho julgou que te confundi, e tu julgaste que te confundi, e eu fiquei confusa...
Bati-te ao de leve na perna, um castigo suave para o facto de me achares capaz de te confundir!
Enquanto fugiamos dali senti-te a voz entre o cabelo e o pescoço.
- Amanhã já é hoje?
- Não sei, o relógio parou... - respondi, procurando as horas no fundo dos teus olhos!